Extinção da Metroplan: na contramão da lei e do desenvolvimento

Autor: Pedro Xavier de Araujo, arquiteto e urbanista, mestrando em Planejamento Urbano e Regional pelo PROPUR/UFRGS. Trabalhou na Metroplan entre 2013 e 2015.

 
Conforme estimativa do IBGE de 2015, mais da metade da população brasileira reside em regiões metropolitanas (RMs) e aglomerações urbanas (AUs). Esses territórios concentram grande parte das forças produtivas e econômicas do país, mas também os mais prementes problemas sociais e urbano-ambientais (CAMPOS, SOARES e ARAUJO, 2016). Eles apresentam de forma aguda as contradições que marcam a nossa realidade social e territorial. No Rio Grande do Sul a situação é semelhante: as duas regiões metropolitanas e duas aglomerações urbanas formalmente instituídas reúnem 52% da população estadual e são responsáveis por 72% economia, mas concentram importantes conflitos. A Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), por exemplo, tem por cidade polo a capital gaúcha, com o maior PIB do Estado, enquanto o município vizinho de Alvorada ocupa a penúltima posição nos rankings estaduais de PIB per capita e de IDESE. Cerca de 50% da população de Alvorada sai diariamente do município para trabalhar ou estudar nas cidades vizinhas.

 

Nestes territórios, os problemas econômicos, sociais e ambientais não respeitam os limites municipais, tampouco as soluções podem ser concebidas e geridas dentro desses limites. Os recursos hídricos que abastecem um município normalmente são oriundos de nascentes localizadas em outro, enquanto a foz pode estar localizada em um terceiro. Ações empreendidas em uma unidade territorial tem forte repercussão sobre as unidades vizinhas, tornando inviável a gestão limitada ao âmbito municipal. A Constituição Federal de 1988, no entanto, imbuída pelos ideais de descentralização, passou por alto da questão metropolitana, delegando aos municípios autonomia para a gestão do território.

 

O paradoxo entre a relevância das regiões metropolitanas para a sociedade e a inexistência de instâncias políticas de gestão desses territórios, no entanto, não é um problema exclusivamente brasileiro. Em um estudo que se concentrou nas principais capitais europeias, Christian Lefèvre (2009) identificou que apesar das metrópoles haverem se tornado cada vez mais espaços pertinentes para tratar das inúmeras questões econômicas, políticas, sociais, ambientais, levantadas pelo desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, “elas permanecem politicamente quase inexistentes, salvo raras exceções, o que as torna dificilmente governáveis” (p. 300).

 

Neste contexto de enfraquecimento dos órgãos de planejamento e gestão da instância metropolitana no mundo todo, a existência (e a resistência) da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan) no RS representou um importante contraponto, que possibilitou interessantes experiências de gestão das funções públicas de interesse comum de escala supramunicipal. Apesar da alta autonomia concedida aos municípios pela Constituição em 1988, a Metroplan manteve-se trabalhando com os municípios nas questões que transcendem os seus limites territoriais. Esta atuação fez com que nenhum dos diferentes governos que se sucederam desde a abertura democrática houvesse proposto a extinção do órgão, independente das diferenças ideológicas. A Metroplan se adaptou aos diferentes contextos políticos e legais, tendo suas atribuições revistas através de sucessivas leis, de modo a estar apta a dar reposta aos desafios de cada época, e ajustar-se aos diferentes projetos políticos.

 

A existência da Metroplan fez com que o RS adotasse uma postura diferenciada, por exemplo, quando a Constituição de 1988 relegou aos estados a atribuição de definir e instituir as regiões metropolitanas. Enquanto no Brasil todo se promoveu uma proliferação de RMs, desconsiderando quaisquer critérios técnicos, o RS instituiu somente três aglomerações urbanas além da já existente RMPA, com base em detalhados e criteriosos estudos (SOARES, 2015).

 

A fundação avalia, por exemplo, todos os empreendimentos imobiliários que, devido ao porte ou características, possam vir a gerar impactos nos municípios vizinhos. Faz o planejamento e a gestão do transporte metropolitano e intermunicipal nas RMs e AUs do Estado. Estes sistemas transportam diariamente cerca de 500 mil passageiros. Nos últimos anos a fundação está realizando projetos e captou recursos junto ao governo federal para investir mais de R$ 500 milhões em obras de qualificação da mobilidade urbana e R$ 260 milhões em ações para contenções de cheias e gestão os recursos hídricos da RMPA.

 

Desde 1991 (Lei n° 9.436/1991), a Metroplan tem por atribuição prestar apoio técnico na área de planejamento urbano e territorial a todos os municípios do RS e não somente aqueles inseridos nas regiões metropolitanas e aglomerados urbanos oficiais . Este apoio tem sido fundamental, visto que raros municípios possuem técnicos capacitados para estes desafios. A Metroplan, apesar de não ter contado com renovação do corpo técnico há décadas, conta com uma equipe multidisciplinar formada por arquitetos, engenheiros, economistas, sociólogos e outros especialistas com alta qualificação e ampla experiência na área de planejamento urbano e regional.

 

Se o órgão vem realizando todas essas funções apesar do “vazio legal” a que foi relegada a questão metropolitana desde a Constituição Federal de 1988, a recente publicação do Estatuto da Metrópole (Lei 13.089/2015) trouxe novamente a gestão metropolitana para o centro do debate das políticas urbanas no país. O Estatuto cria obrigações para os estados como a elaboração de Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUIs) para as regiões metropolitanas e aglomerados urbanos e a criação de órgãos e estruturas de governança metropolitana para esses territórios. A lei prevê graves sanções para os gestores que não cumprirem estas obrigações dentro do prazo estabelecido.

 

Ante estas considerações, a recente aprovação do PL 246/2016, que propõe a extinção da Metroplan conjuntamente com outras cinco fundações estaduais, demonstra a irresponsabilidade e irracionalidade do governo gaúcho perante a realidade social e territorial e às suas atribuições legais e constitucionais. O governo Sartori anda na contramão da história, enfraquecendo o Estado para o desafio da gestão metropolitana no momento em que esta instância voltou a ocupar o centro das políticas de desenvolvimento urbano, econômico e social.

 

Sem haver apresentado a proposta em sua campanha eleitoral, e negando-se a debatê-la com a sociedade ao enviar o PL à Assembleia Legislativa em regime de urgência, o governo Sartori pretende extinguir de uma só vez a fundação que produz os dados e as estatísticas sobre a realidade social e econômica do Estado (FEE) e aquela com atribuição de planejar ações melhorar esta realidade (Metroplan). Pode-se considerar irresponsável um governo que abdica do conhecimento e do planejamento, mas é cruel e injusto um governo que pretende eliminar estas possibilidades para todas as futuras gestões e gerações.

 

 

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti-tuicaocompilado.htm. Acesso 22/06/2916.
______. Lei Federal n° 13.089, de 12 de janeiro de 2015. Institui o Estatuto da Metrópole, altera a Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, e dá outras providências.
CAMPOS, Heleniza Ávila; SOARES, Paulo Roberto; ARAUJO, Pedro Xavier de. Governança metropolitana frente aos desafios da implementação do Estatuto da Metrópole: uma reflexão a partir da Região Metropolitana de Porto Alegre (RS). In: Vanessa Marx [e] Marco Aurélio Costa (Org.). Participação, conflitos e intervenções urbanas: contribuições ao Habitat III. Porto Alegre: Editora da UFRGS/CEGOV, 2016, p. 17-42.
LEFÈVRE, Christian. Governar as metrópoles: questões, desafios e limitações para a constituição de novos territórios políticos. Cadernos Metrópole, v. 11, n. 22, pp. 299-317, São Paulo: EDUC, 2009.
RIO GRANDE DO SUL. Aglomerações Urbanas no Rio Grande do Sul. Porto Ale¬gre: Secretaria do Planejamento Territorial e Obras, 1992.
SOARES, Paulo Roberto. Região Metropolitana ou Aglomeração Urbana? Contribuição para o debate no Rio Grande do Sul. Ensaios FEE, v. 36, n. 2, p. 323-342, Porto Alegre: FEE, 2015.

 

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