Arquitetura como instrumento de mudança social

“Sonho em trazer a militância social para o meu trabalho como arquiteta e urbanista”. É dessa forma que Joice Silva, de 40 anos, conhecida como Joice Berth, em uma homenagem a falecida avó, a qual carregava o sobrenome Bertolino, descreve pelo que luta na profissão que escolheu. Nascida e criada em São Paulo (SP), ela concluiu, em 2010, a graduação em Arquitetura pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e, posteriormente, iniciou a especialização em Direito Urbanístico pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMG). Influenciada pelos modernistas, no que se refere ao encantamento pelo ofício, em 1992 já sentia o coração palpitar pela arquitetura. Com o passar do tempo, a paixão só aumentou e acabou sendo direcionada para as causas sociais dentro da profissão.

Os ensinamentos dos professores, ainda na academia, já direcionavam Joice na escolha pela arquitetura como uma ferramenta de mudança. A partir disso, a sua consciência social foi ampliada e contribuiu para que ela mergulhasse em pesquisas e estudos que seriam úteis tanto para a vida profissional, quanto pessoal.

Joice conta que se apaixonou ainda mais pelo tema quando atuava como estagiária na empresa Diagonal Urbana, no projeto Cidade Legal, na equipe de Regularização Fundiária. “Quando entrei na Diagonal sabia que estava em meio a algo que iria me conquistar profundamente. Amo arquitetura, mas acho urbanismo uma escola para a vida”, afirma. “Admiro o trabalho dos arquitetos (as) de interiores famosos, a criatividade, a maneira como se preocupam com cada detalhe, como usam as cores. Essa alma que eles demostram deveria se expandir a trabalhos pelos que possuem rendas menores, aplicar essa criatividade a serviço dos que não tem tantos recursos”.

Depois de atuar em várias empresas com a temática de urbanismo/regularização/avaliação de imóveis, Joice resolveu trabalhar como autônoma e também dar sequência a sua participação nos movimentos sociais dentro da profissão. Atualmente, ela sonha em estar com arquitetos que tenham disponibilidade para trabalhar a arquitetura e urbanismo trazendo questões como exclusão e segregação socioespacial, entre outras. “Quero trabalhar com mulheres, negras, indígenas, transsexuais, com restrição de mobilidade, enfim, aqueles cuja arquitetura tem esquecido de absorver tanto na composição do trabalho, quanto nas soluções que projetam”, afirma.

O sonho se volta a práticas como a da Regularização Fundiária do Jardim Jaqueline, palco de projeto de urbanização e regularização fundiária sustentável que beneficiou mais de 15 mil pessoas, uma das experiências mais impactantes apontadas por Joice ao longo de sua carreira. “Foi bárbara, cansativa, sofrida, mas pude sentir cada pedacinho, cada necessidade. A gente andava por toda a área o dia inteiro, com sol, com chuva, selando moradias, fazendo entrevistas, falando com as pessoas, pensando em como poderia ser melhor aquele espaço”, lembrou salientado que foi possível observar de perto o quanto o poder da participação popular pode transformar um local.

Por outro lado, o espaço dedicado para a mulher e o negro na profissão que Joice escolheu ainda a desapontam. “Racismo e machismo são uma mancha social que acabam por se espalhar por tudo, é estrutural, logo, na arquitetura não poderia ser diferente. O espaço da mulher é ínfimo e desvalorizado, quase não há negros, há muita elitização que afasta a possibilidade de se levar todo potencial técnico para os mais pobres”, lamenta. “Por isso temos um número gritante de moradias autoconstruídas, com desperdício de materiais e qualidade profissional, irregulares sob o ponto de vista fundiário”.

Por fim, Joice diz sonhar que a arquitetura possa acompanhar a personalidade da sociedade e suas especificidades o que, para ela, ainda deve demorar para ser consolidado integralmente.

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